A paisagem vegetal urbana
Introdução
As cidades onde vivemos, apesar de cosmopolitas e sofisticadas, reflectem as suas origens rurais, tendo ainda a natureza o desempenho principal na manutenção dessa imagem na malha urbana.
Reconhecendo as limitações da cidade como elemento agressor sobre a paisagem natural, podemos, por outro lado, admirá-la de uma perspectiva mais cuidada. Sabendo que o surgimento de cada aglomerado populacional é feito à medida dos humanos, a natureza vegetal e animal encontrou registos interessantíssimos de adaptabilidade da vida selvagem à vida urbana, que importa conhecer.
Como rubrica de paisagismo e natureza avaliarei a cidade do ponto de vista botânico, com maior preponderância, mas também animal. Somos nós, os cidadãos de cidades desconhecedores do vasto elenco botânico e animal que compõem a natureza urbana, não obstante aqui vivermos reunidos em convívio com um mundo natural que frequentemente não é esperado perto do nosso apartamento ou da nossa varanda, janela, pátio, rua ou quintal.
Fonte de vida e purificador do ar que respiramos, a matéria vegetal em toda a sua ordem apresenta-se, simultaneamente, como matriz de cultura e sapiência, se correctamente soubermos analisá-la e interpretá-la, seja como objecto museológico, seja como documento vivo.
Proponho avaliar árvores isoladas, maciços e alamedas, paisagens gerais e plantas superiores isoladas ou em grupo, cultivadas por particulares ou em áreas públicas, que possam reflectir o seu protagonismo como bem patrimonial e documental, e como elemento integrante num espaço lido, ou não, pela simples estética. A compreensão do ponto de vista histórico de todo o material vegetal que compõe os jardins nacionais, promove não só uma revalorização desses espaços como elementos patrimoniais essenciais do bem-estar e qualidade de vida dos cidadãos mas também nos ensina a uma nova e entusiasmante leitura sobre cada um desses locais, ou sobre um indivíduo botânico solitário e diferenciado.
Os espaços arquitectónicos onde são cultivados jardins e zonas verdes são frequentemente analisados alertando o visitante interessado para uma evolução do ponto de vista arquitectónico. Apesar de importante, trata-se de uma das duas interpretações possíveis e imediatas de qualquer zona verde.
De um modo geral, o público mais erudito acede a um conhecimento relativamente vasto acerca dos objectos edificados pela diversa literatura publicada sobre o tema, ou inclusivamente, por eventuais explicações prestadas localmente por ocasião de visitas guiadas em jardins de monumentos mais conhecidos, como o Palácio Nacional de Queluz, em Queluz, a Quinta da Bacalhoa, em Azeitão, o Palácio de Monserrate, em Sintra ou o Palácio dos Marqueses de Fronteira, em Lisboa.
Todavia, um jardim encerra em si conhecimentos mais vastos que a simples presença de algumas espécies cultivadas e o seu reconhecimento nominal. De um espaço verde poder-se-á compor um atlas botânico, onde cada indivíduo testemunha uma posição ou episódio na história da humanidade, desde a sua origem até ao processo da sua descoberta e de importação para outras regiões do globo, além das consequentes manifestações e reacções da sociedade da época resultante da sua aclimatação.
Esta segunda forma interpretativa de um qualquer espaço verde ou elemento do reino vegetal está pouco divulgado, sem que mereça ser alvo de uma reflexão menos pormenorizada ou descuidada. Assim se completa o estudo de um jardim ou indivíduo na sua plenitude, sublinhando a vertente cultural e patrimonial lado a lado com a função lúdica mais popularizada.
Convido a dispensar um olhar mais atento pelo património vegetal do nosso país, de uma perspectiva histórico-cultural. Elaborarei, ou com a colaboração de todos os interessados, roteiros, propostas de visita ou locais de interesse paisagístico e botânico onde o visitante aprenderá a interpretar o material vegetal que ao longo do tempo iremos analisar, bem como qualquer outro espalhado pelas paisagens públicas ou privadas do nosso país. O objectivo passa por alertar cada cidadão na interpretação indiscriminada de qualquer ambiente paisagístico edificado ou cultivado, paisagens naturais ou antrópicas, que encontre percorrendo os roteiros propostos ou em alternativa, aventurando-se pelas paisagens do país, habilitado com os conhecimentos que aqui convidamos a partilhar.
O leitor viajará na história passada tomando contacto com o percurso evolutivo das plantas, onde e como se caracterizavam os habitats naturais de origem, as aventuras que levaram ao seu descobrimento, incluindo as regiões mais remotas do globo, por navegadores, exploradores, missionários, cronistas, naturalistas e até horticultores, que num passado mais recente se dedicaram à difusão e selecção cuidadosa de plantas nativas, produzindo, através de cruzamentos e experiências, estirpes de floração mais profusa e cores mais atraentes, até aos cultivares criados por intervenção da ciência de modo a satisfazer os caprichos humanos sobre ideais de forma, cor e dimensão.
A rubrica intenta explorar a diversidade e riqueza patrimoniais, quer paisagística, quer botânica, aliando o turismo como actividade lúdica e cultural. Tentarei contribuir para a valorização da nossa paisagem rural e urbana sensibilizando o leitor para questões ambientais e de cultura nacional e, para todos os que nos visitam, sublinhar o papel primordial que Portugal pode ter no turismo ecológico e natural europeus, para além de roteiros de botânica destinado a curiosos, amantes e profissionais.
Considerando que a cidade de Lisboa e a região circundante são profícuas em locais paisagísticos patrimoniais, apresentarei este aspecto enquanto roteiro sobre ambientes paisagísticos espontâneos e cultivados, urbanos ou semi-rurais. Integrado no mesmo objecto de estudo, levarei igualmente o leitor a aprender a reconhecer a vasta diversidade de material vegetal, liberto dos percursos propostos, a fim de dotá-lo de conhecimentos que o ajudem à identificação das espécies e fazer a interpretação dessas árvores, arvoredos ou plantas correlacionando-as com a história da humanidade.
Espero que seja compreendida a essência do tema que propomos e que connosco partilhem esta viagem pelo mundo vegetal onde algumas plantas tem sido enaltecidas por reflectirem símbolos, por terem participado em episódios históricos, englobando valores que estão além da sua importância botânica, revelando mensagens que certamente importa conservar. Trata-se de plantas ou paisagens com mensagem.
O que escapa em tudo o que tem sido estudado relativamente ao património vegetal é seguramente uma leitura das árvores e plantas em geral que se desenvolvem perto de nós, constituintes da paisagem da rua onde habitamos ou trabalhamos, da praia que frequentamos, da escola que estudamos ou do jardim do nosso vizinho.
A consciência para a conservação e a sociedade na botânica.
Os erros do passado têm provocado uma reacção recente para inverter o percurso danoso que o nosso país assiste no domínio da preservação da paisagem, do ambiente, da natureza e dos espaços verdes das cidades portuguesas. A consciência sobre os valores naturais são interpretados e expressos nas mais variadas formas de comunicação, esforçando-se os seus autores para promover a sua conservação e aproximar a natureza ao homem.
Através da arte tenta-se humanizar a natureza, inúmeras exposições exibem a temática da botânica, com peças retiradas do próprio elemento natural, onde os criadores exploram os materiais, as formas, as cores do ponto de vista artístico. Lembram incansavelmente a preponderância da participação da natureza na vida do homem, a dependência emocional da flora sobre os humores humanos e a infindável fonte de conhecimento artístico, científico, educacional, literário, religioso e social, tantas vezes velada pela pressão da vida actual, ou preterida por alguns cidadãos menos informados, senão pouco escrupulosos, que preferem seguir um caminho desacreditado e corrompido na construção do futuro.
Com muito agrado, a imprensa acompanha o despertar da população para a natureza urbana e rural, tremendamente ameaçada e que precisa de importantes medidas de defesa. Assim alertam para erros fatais, alguns pontuais, outros repetidos mas que marcam ainda a realidade social do nosso país, relativamente às questões ambientais.
Notícias, denúncias, artigos, comentários são gritos de consciência que promovem uma melhor qualidade de vida, essencialmente nas grandes cidades. Os mais conceituados diários nacionais estão particularmente atentos a estes comportamentos, infelizmente, na maioria dos casos, já perpetrados e servem senão de manifesto.
Outros casos, como as actividades agrícolas na área metropolitana da capital, foram reconhecidas como parte da identidade da cidade, objecto de estudo social e merecedor, inclusivamente, da atenção da Câmara Municipal de Lisboa, que promoveu um concurso destinado a seleccionar as melhores hortas da cidade. Contudo, trata-se de espaços voláteis, pois raramente os terrenos onde as explorações se encontram pertencem aos seus utilizadores e acabarão por desaparecer inevitavelmente.
Muitos locais onde ainda resistem resíduos de paisagens rurais na cidade, encontram-se degradados e condenados à sua eliminação, situação que não parece merecer o interesse municipal.
Estrada de Barcarena, um troço que une esta povoação aos acessos da A5 Lisboa-Cascais. Foto do autor de 2010.
Estas estreitas estradas eram designadas no passado por azinhagas. Rasgavam propriedades agrícolas separadas da via por elevados muros de pedra quase sempre cegos e com raras interrupções de acesso às mesmas.
A beleza do desgaste do muro de pedra enaltece a imagem. Este retrato é uma pedaço do património rural que ainda sobrevive em trechos muito circunscritos.
O seu carácter profundamente rural aviva, nos dias de hoje, um ambiente totalmente perdido neste século e em decadência nas últimas décadas do anterior.
O seu carácter profundamente rural aviva, nos dias de hoje, um ambiente totalmente perdido neste século e em decadência nas últimas décadas do anterior.
Duas fotos de 2010, registam uma paisagem inesperadamente rural, onde a criação de gado equino marca a ruralidade dos arredores da cidade, neste caso no bairro da Musgueira Norte, com fronteira ao aeroporto. A forte ligação das populações a estes costumes rurais é muito evidentes em todos os bairros sociais e estão, quase sempre, associados à degradação do espaço cultivado ou das infra-estruturas construídas. Por esta razão, a ruralidade da cidade encontra-se mais fragilizada pela clandestinidade das explorações hortícolas ou de animais domésticos, que quando alvo de reconversão das zonas onde se encontram não são jamais salvaguardadas.
Uma interessantíssima nora, em estado muito precário, assinala o desenvolvimento agrícola que ocupava os territórios ao redor da cidade até aos anos 40 do século passado. As populações rurais aproximavam-se da grande cidade, porém mantendo os seus hábitos de vida, sem que a maioria se convertesse à urbanidade.
Um trecho fotografado pelo autor em Frielas no ano de 2008, mostra um resíduo daquilo que fora outrora a paisagem vegetal dos arredores ao norte de Lisboa. Campos abertos, cultivados em regime de explorações de sobrevivência entre grandes propriedades designadas por Quintas, que a partir dos anos 50 e 60 do século XX foram vendidas, loteadas e esmagadas com construções habitacionais descaracterizadas e tremendamente inestéticas. Esta foto capta somente uma pequeníssima parte onde não existem construções. Tratada com a finalidade de recuperar a imagem da paisagem do passado, a foto foi cortada para ocultar o desordenamento do território que hoje assistimos naquele local.
Datada de 2010, esta foto do autor revela o descontrolo na gestão do território sem que jamais houvesse cuidado no seu ordenamento. As 'coisas' foram surgindo à margem das regras mínimas de qualidade e bem-estar. As consequências foram, continuam, serão brutais e agressivas para a estabilidade das suas populações. Gerações nascidas e criadas nestas condições e sem visionamento nem contacto com questões sensíveis como a estética urbana, o ordenamento, bom nível de vida habitacional, assuntos de preservação ambiental ou espaços verdes, tornar-se-ão inevitavelmente indiferentes à conservação dos valores referidos. A reconstrução da atitude da nossa sociedade relativamente ao património natural vegetal é homérica e tremendamente dificultada pela ausência de alicerces educacionais básicos.
Os pequenos espaços de cultivo desenhados e projectados para o usufruto dos habitantes de edifícios sociais tão comuns na cidade de Lisboa até aos anos 70 do século XX, permitiram manter vivo o conhecimento hortícola nas populações urbanas. A terra Lisboeta era explorada à semelhança dos campos extensos e abertos na província. As pessoas geriam culturas de sobrevivência ou ajuda alimentar para a família, como meio de combater a pobreza económica em que se encontravam. Actualmente essas áreas estão abandonadas, acumulando ao longo do tempo entulho e lixo urbano, tantas vezes consideradas ameaça para saúde pública. Por outro lado, a indiferença e atitude política sobre estas questões sugerem outros interesses para aqueles locais. O desprezo dos seus proprietários e a ausência de controlo das autoridades acabam por eliminar, cada vez mais, o raro testemunho rural, senão único, de uma capital europeia.
O abandono dos habitantes dita a destruição dos resíduos de cultura rural. Os que ainda vivem estão incapazes de gerir os espaços verdes existentes e espera-se o seu desaparecimento para eliminar definitivamente o local. Por vezes ocorrem litígios e surgem questões burocráticas que se arrastam por tantos anos, que a própria natureza tem vagar para reocupar, de uma forma subespontânea as áreas não construídas. São sobretudo espécies agressivas que se instalam em grande número, como o Celtis australis, Phoenix canariensis, Ailanthus altissima, Tropaeolum majus, Ipomoea indica, ou Ligustrum lucidum.
Apesar da pouca qualidade da foto, repare como neste espaço de um prédio devoluto e muito degradado no perímetro do Jardim Botânico de Lisboa, concretamente situado na Rua do Salitre, se vê a voracidade do Ailanthus altissima que por completo tomou todo o terreno. O único exemplar sobrevivente do jardim original é a Washingtonia filifera que pelo seu porte adulto não se vê ameaçada. O registo feito em 2006 mantém-se idêntico até aos dias de hoje. Degradado e abandonado.
Nesta foto registada na Rua Luciano Cordeiro, em Lisboa em 2007, observam-se os quintais divididos e correspondentes ao número de casas do edifício. O abandono permitiu o desenvolvimento até ao estado adulto de espécies arbóreas como o Ligustrum lucidum (China) e o Ailanthus altissima (China e Formosa), assim como o terreno coberto por completo pela agressiva Ipomoea indica (origem incerta com suspeita de ser pan-tropical). Ao fundo, um exemplar de Phoenix canariensis (Ilhas Canárias). Em baixo, duas fotos que testemunham o comportamento sub-espontâneo na Phoenix canariensis, acabando por alcançar dimensões muito interessantes com rapidez quando não controladas.
Fotos de 2007. Um quintal abandonado de um prédio de habitação situado na zona baixa do Príncipe Real em Lisboa.
No ano 2010, este belo conjunto do final do século XIX de cariz nobre, foi totalmente arrasado. No seu lugar não se encontra absolutamente nada. A área foi terraplanada e entaipada com publicidade. A foto data de 2007 e consegue ler-se uma curiosa colecção de espécies típicas do jardim saloio lisboeta. Árvores frutíferas diversificadas para assegurar frutos ao longo do ano. O remate exótico da não menos carismática Phoenix canariensis sublinhava a nobreza da casa. A insensatez, a ignorância, a falta de brio e a irresponsabilidade permitiram que hoje nada exista. Com o desaparecimento do edifício e o abate do material vegetal, delapidou-se simultaneamente património cultural e natural.
Esta é a situação actual. Setembro de 2012.
Mesmo os edifícios de apartamentos mais abastados, durante as últimas décadas do século XX, como este magnífico conjunto na Avenida Sidónio Pais, em Lisboa, previram espaço para cultivo. Os exemplares sobreviventes são os de maior resistência às vicissitudes do clima, neste caso por falta de dedicação e manutenção dos espaços pelos seus proprietários, os de maior rapidez de crescimento, maior facilidade de propagação e com comportamento subespontâneo. Uma espécie campeã é, sem dúvida, a Eriobotrya japonica (China). Actualmente, os automóveis tomaram preponderância sobre a jardinagem, porque as populações preferem privilegiá-lo em detrimento da qualidade de vida que um jardim proporciona a qualquer cidade. Este pormenor opõe-nos, como povo, ao nível civilizacional inigualável dos britânicos, a exemplo. Resta uma batalha gigantesca contra a mentalidade.
O abandono dos habitantes dita a destruição dos resíduos de cultura rural. Os que ainda vivem estão incapazes de gerir os espaços verdes existentes e espera-se o seu desaparecimento para eliminar definitivamente o local. Por vezes ocorrem litígios e surgem questões burocráticas que se arrastam por tantos anos, que a própria natureza tem vagar para reocupar, de uma forma subespontânea as áreas não construídas. São sobretudo espécies agressivas que se instalam em grande número, como o Celtis australis, Phoenix canariensis, Ailanthus altissima, Tropaeolum majus, Ipomoea indica, ou Ligustrum lucidum.
Apesar da pouca qualidade da foto, repare como neste espaço de um prédio devoluto e muito degradado no perímetro do Jardim Botânico de Lisboa, concretamente situado na Rua do Salitre, se vê a voracidade do Ailanthus altissima que por completo tomou todo o terreno. O único exemplar sobrevivente do jardim original é a Washingtonia filifera que pelo seu porte adulto não se vê ameaçada. O registo feito em 2006 mantém-se idêntico até aos dias de hoje. Degradado e abandonado.
Nesta foto registada na Rua Luciano Cordeiro, em Lisboa em 2007, observam-se os quintais divididos e correspondentes ao número de casas do edifício. O abandono permitiu o desenvolvimento até ao estado adulto de espécies arbóreas como o Ligustrum lucidum (China) e o Ailanthus altissima (China e Formosa), assim como o terreno coberto por completo pela agressiva Ipomoea indica (origem incerta com suspeita de ser pan-tropical). Ao fundo, um exemplar de Phoenix canariensis (Ilhas Canárias). Em baixo, duas fotos que testemunham o comportamento sub-espontâneo na Phoenix canariensis, acabando por alcançar dimensões muito interessantes com rapidez quando não controladas.
Fotos de 2007. Um quintal abandonado de um prédio de habitação situado na zona baixa do Príncipe Real em Lisboa.
No ano 2010, este belo conjunto do final do século XIX de cariz nobre, foi totalmente arrasado. No seu lugar não se encontra absolutamente nada. A área foi terraplanada e entaipada com publicidade. A foto data de 2007 e consegue ler-se uma curiosa colecção de espécies típicas do jardim saloio lisboeta. Árvores frutíferas diversificadas para assegurar frutos ao longo do ano. O remate exótico da não menos carismática Phoenix canariensis sublinhava a nobreza da casa. A insensatez, a ignorância, a falta de brio e a irresponsabilidade permitiram que hoje nada exista. Com o desaparecimento do edifício e o abate do material vegetal, delapidou-se simultaneamente património cultural e natural.
Esta é a situação actual. Setembro de 2012.
Mesmo os edifícios de apartamentos mais abastados, durante as últimas décadas do século XX, como este magnífico conjunto na Avenida Sidónio Pais, em Lisboa, previram espaço para cultivo. Os exemplares sobreviventes são os de maior resistência às vicissitudes do clima, neste caso por falta de dedicação e manutenção dos espaços pelos seus proprietários, os de maior rapidez de crescimento, maior facilidade de propagação e com comportamento subespontâneo. Uma espécie campeã é, sem dúvida, a Eriobotrya japonica (China). Actualmente, os automóveis tomaram preponderância sobre a jardinagem, porque as populações preferem privilegiá-lo em detrimento da qualidade de vida que um jardim proporciona a qualquer cidade. Este pormenor opõe-nos, como povo, ao nível civilizacional inigualável dos britânicos, a exemplo. Resta uma batalha gigantesca contra a mentalidade.
Por outro lado, o surgimento de obras com a assinatura de arquitectos paisagistas, cada vez mais impõe a necessidade de Portugal se actualizar com os acontecimentos europeus, o que se traduz nas abordagens em crescente número pelas publicações especializadas ou não, pela imprensa diária, entre outros meios de comunicação social e no incentivo a uma nova posição relativamente ao património florístico que o país possui.
Ideias exploradas no estrangeiro têm aliciado alguns portugueses a defender o que ainda sobra da nossa identidade natural, empregando o material vegetal tradicional das nossas paisagens em projectos modernos para espaços verdes públicos e privados.
A revalorização da flora passa por muitas iniciativas lúdicas, didácticas ou educacionais abertas a todo o público a fim de aproximar a população à vegetação que compõe a sua área de residência, à aprendizagem de horticultura e jardinagem, ao contacto com a natureza, à sua protecção e conhecimento do património florístico existente, numa mensagem urgente e comum sobre a fragilidade do manto vegetal que veste o nosso bairro ou a nossa cidade, elementos que em conjunto completam o nosso país.
Os primeiros passos no aproveitamento dos recursos criados pelos espaços verdes, da responsabilidade das autarquias e em certos casos das recolhas de aparas de jardins privados, demonstram a vertente económica viável na manutenção e futura criação de novas zonas verdes, agora, rentáveis, ao contrário dos custos elevados que acarretavam para o contribuinte.
Por último, de salientar uma louvável revalorização das áreas verdes sob a responsabilidade de instituições públicas e privadas, que souberam reaproveitar esses espaços utilizando-os na promoção de actividades referentes à botânica, natureza e artes da jardinagem, devolvendo-os às populações locais, sendo muitos deles verdadeiros parques botânicos de elevado interesse. São os casos da Fundação Serralves, no Porto, o parque Monteiro-Mor, o Instituto Superior de Agronomia, a Tapada da Ajuda e o Jardim Botânico da Ajuda em Lisboa.
Quatro registos de 2007 do Jardim Botânico da Ajuda. Desde então este jardim assegura uma excelente impressão sobre os trabalhos de recuperação e manutenção a cargo do ISA, Instituto Superior de Agronomia. Na cidade de Lisboa, não são comuns espaços tão delicadamente conservados e actualizados. Em cima, um pormenor do fontanário do século XVIII com uma lindíssima Araucaria cunninghamii. Em baixo, atrás da balaustrada, um exemplar de Ceiba speciosa em plena floração.
Os trabalhos de recuperação do material vegetal passaram pela brilhante intervenção no mais velho indivíduo de Dracaena draco existente no nosso país, plantado pelo próprio Brotero, segundo alguns autores. A manobra inclui uma estrutura que suporta os fragilizados ramos, assegurando-lhe estabilidade e protecção em caso de intempéries. Uma medida pioneira em Portugal, relativamente à preservação do património vegetal nacional. De louvar.
Os trabalhos de reconstrução foram totais e as estufas mereceram a atenção devida. Reganharam importância e novos propósitos; uma parte é actualmente explorada como restaurante num magnífico ambiente e a restante utilizada para o fim a que foi inicialmente erguida. O imponente Ficus macrophylla corrobora a beleza daquele recanto do Jardim Botânico da Ajuda. As fotos datam de 2007.
A confiança na construção de um melhor futuro
A população portuguesa desperta lentamente para a preservação da paisagem como componente essencial para uma melhor qualidade de vida, compromisso com o futuro e civismo. Uma medíocre experiência de décadas na adulteração das condições naturais, sobretudo nos aglomerados urbanos, bem como uma profunda nefasta alteração da paisagem com consequências gravosas quer para a natureza, quer para as populações, veio pressionar a situação actual para um cenário de quase ruptura.
A sucessiva destruição de património vegetal não protegido, com todos os testemunhos para caracterizar a memória da cidade romântica e de início do século XX, essencialmente nos bairros da cidade contemporânea e casos isolados nos arredores, onde uma riquíssima colecção botânica de época tinha os seus registos vivos, são eliminados por fazerem parte dessas mesmas edificações e, fatalmente, perdem-se áreas verdes, raras e preciosas, sinónimo de espaços históricos, na perspectiva da história natural mas também da história da cidade, da história da arquitectura e da própria história nacional.
O impressionante parque habitacional degradado da cidade de Lisboa não é recuperado, por colidir com os interesses imobiliários, estimulados pela incapacidade das autoridades em promover a sua recuperação ou protecção. Tem sido a indignação gerada pelo cidadão anónimo, que testemunha o desaparecimento gritante desse património, a divulgar a impunidade dos seus responsáveis e a indiferença do Estado, manifestando-se com poucos meios mas que acabam por disseminar uma consciência positiva para o meio ambiente, através dos seus alertas. O abate de árvores é agora visto como uma agressão, a população compreendeu o contributo fundamental destes indivíduos dificilmente substituíveis e denuncia estes comportamentos. A população cada vez mais conhece os exemplos de preservação, respeito e qualidade de vida que resulta do bom relacionamento com o ambiente verificado nas sociedades dos outros países europeus e tenta construir, senão pelo menos, contribuir para uma paisagem mais cuidada.
Com este alerta, estou convicto de que a informação necessária para uma melhor compreensão da paisagem natural, da sua génese histórica, análise botânica e importância na vida do homem promove uma maior atenção sobre esta perspectiva da vida das populações, enquanto habitante ou turista, sem esquecer a aplicação dos conhecimentos na preservação e respeito pela natureza urbana e rural.
Nota: todas as fotografias são do autor
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